Exmo. Sr. Administrador dos Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra,
O como, o porquê e o para quê da Plataforma de Residências da Universidade de Coimbra
Há muito que a situação vivida pelos estudantes das Residências Universitárias dos Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra (SASUC) exige esta interpelação. À degradação física dos nossos espaços de residência, alia-se um relacionamento distante entre estudantes e respectivos serviços, sem que aqui interesse descortinar os motivos desse distanciamento.
Com o objectivo de contribuir para a resolução de muitos destes problemas, quando muito para os dirimir, um grupo diversificado de estudantes, das Residências Universitárias, bolseiros, gente anónima que se solidarizou com a causa, assumiu o compromisso de se unir em torno da defesa de valores que julga essenciais. Assim nasceu a Plataforma de Residências da Universidade de Coimbra. Não se trata de um grupo institucionalizado, com uma organização interna definida, um grupo de trabalho fixo e homogéneo. Do que se trata na verdade, é de um movimento social, alicerçado no trabalho voluntário de todos e todas quantos vêm nos serviços prestados pelos SASUC uma condição (indispensável) para a sua formação superior. 1 - Contribuir para a resolução dos problemas de relacionamento entre estudantes e SASUC; 2 - Unir a voz dos estudantes à dos Serviços de Acção Social na exigência de mais financiamento estatal para este sector; 3 - Propor alterações ao regulamento interno das Residências ou de situações conexas que consideramos injustas; Eis o que nos move. Dada a origem da Plataforma, os objectivos trilhados, a natureza do nosso trabalho, perceberá o quão importante tem sido o nosso trabalho de base, de auscultação das dificuldades e reivindicações dos nossos colegas das Residências Universitárias.
Chegados aqui, uma clarificação se impõe: de entre os objectivos definidos por esta Plataforma, não constam, com toda a certeza, o afrontamento, a provocação ou o questionamento da boa vontade, tanto de V. Ex.ª, como dos restantes funcionários dos SASUC. Dirigimo-nos a V. Ex.ª com espírito de cooperação, com a firme convicção de que frustradas todas as outras tentativas de diálogo, desta feita, nos conseguiremos entender sobre os assuntos que perturbam o nosso relacionamento.
Todos sabemos que os diversos problemas da Acção Social encontram, grosso modo, a mesma origem: o sub-financiamento estatal. 1 - O número insuficiente de estudantes abrangidos pela Acção social e que em consequência abandonam os seus estudos; 2 - Os modelos burocráticos de avaliação dos pedidos de bolsas de estudo; 3 - A forma de cálculo das bolsas de estudo; 4 - Os atrasos insuportáveis na atribuição e pagamento das bolsas; 5 - A degradação dos espaços das Residências Universitárias, em particular as insuficiências materiais e de pessoal de limpezas e manutenção desses espaços.
Talvez com excepção dos problemas burocráticos, que são partilhados tanto pela regulamentação estatal como pelos Serviços de Acção Social, todos os restantes obstáculos são cobertos pela “nuvem negra do sub-financiamento”. Por isso, nesta carta não dirigimos as nossas atenções a problemas aos quais os SASUC são, em grande medida, alheios.
Acontece que todos os Serviços de Acção Social têm ao seu dispor um importante espaço discricionário, através do qual, mediante os problemas/necessidades concretos, podem regular a sua organização interna de forma a atenuar aqueles problemas/necessidades. É esse o caso do pagamento da Caução de 50 euros como requisito de acesso às Residências Universitárias dos SASUC, instituto criado e aplicado este ano lectivo. Aqui, ao contrário dos outros problemas acima enunciados, não há responsabilidade (pelo menos directa) do Governo. Trata-se de uma medida da inteira responsabilidade dos SASUC. Por isso, a Plataforma de Residências da UC decidiu avançar com uma petição contra o pagamento da Caução como requisito de acesso/atribuição às Residências Universitárias dos SASUC.
Caução: Uma sucessão de erros (problemas)
Do nosso contacto com os colegas das 13 Residências dos SASUC, ressaltou logo um problema prévio à aplicação deste instituto. É que os estudantes não foram ouvidos consistentemente ao longo de todo este processo. Os SASUC limitaram-se a fazer reuniões com os diversos delegados (durante a época de exames do segundo semestre do ano lectivo passado), através das quais se limitaram a passar a informação de que “no próximo ano os estudantes pagariam uma caução, caso tivessem a intenção de viver nas Residências”. Por maior que fosse o desencanto e a contestação à decisão tomada, o certo é que os estudantes já nada poderiam fazer para evitar a consumação daquele facto.
Por outro lado, o instituto da caução padeceu de problemas procedimentais graves.
Em primeiro lugar, exigindo o pagamento da Caução em pleno mês de Setembro, período durante o qual os estudantes efectuam imensas despesas escolares, sem que, a acrescer, a sua bolsa tenha sido atribuída ou paga. E a falta de pagamento é da responsabilidade de todos, menos do estudante que atempadamente entrega todos os documentos exigidos pelos SASUC... São conhecidos casos de estudantes das Regiões Autónomas, bem como estudantes Erasmus, que desconhecendo o instituto da Caução viram a sua vida bastante dificultada aquando da sua chegada a Coimbra. É bom não esquecer que se tratam de estudantes, na grande maioria dos casos, bolseiros e, portanto, carenciados. É certo, alegam os SASUC, que os estudantes com maiores dificuldades podem sempre pedir um adiantamento no valor de 50 euros que lhes permita pagar a Caução... Mas não seria esse adiantamento bastante mais útil se pudesse ser utilizado para fazer face a despesas bastante mais relevantes, tais como, despesas de alimentação, transporte, material escolar?
Em segundo lugar, outro dos problemas detectados é o da forma de pagamento da Caução. Aquando das reuniões entre delegados e a funcionária responsável pelo alojamento dos SASUC, a informação passada foi a de que o estudante teria de pagar a Caução em dinheiro, durante a primeira semana de Setembro, na tesouraria dos SASUC. Face à contestação sentida, os SASUC viram-se obrigados a flexibilizar este modelo. Houve flexibilidade quanto ao tempo de pagamento, uma vez que alguns estudantes ainda não procederam ao pagamento da caução (voluntária ou involuntariamente), mas muito pouca flexibilidade quanto ao local de pagamento e à espécie de pagamento. Apesar de alguns (poucos) estudantes terem feito esse pagamento em cheque ou por multibanco, o certo é que a grande maioria, por pressão dos SASUC, foi vítima daquela inflexibilidade e teve de pagar em dinheiro. Como se não bastasse, verificaram-se ainda alguns problemas nos registos de pagamento dos SASUC quanto às pessoas que tinham ou não pago a Caução, tendo sido os SASUC obrigados a enviar emails para todos os estudantes. Este problema levanta sérias questões de justiça e igualdade. Imagine-se o caso, frequente, do estudante que perdeu o comprovativo de pagamento? Talvez seja um problema de responsabilidade individual, mas não terá ele vindo à tona dada a incompetência efectiva dos SASUC? E o caso do estudante que não tinha pago a caução, mas que conhecedor deste problema, tenta aproveitá-la em seu favor? E o caso do estudante que paga a caução, guarda o comprovativo, mas é obrigado a perder parte do seu tempo nas filas de espera dos SASUC?
É certo que o valor da Caução é devolvido ou renovado no final do ano lectivo. Mas afinal o que é feito com esse dinheiro ao longo do ano? Se os SASUC concedem alojamento a cerca de 1.200 estudantes, o que é feito aos cerca de 60 mil euros pagos pelos estudantes? Talvez tenha sido esta a questão mais polémica ao longo dos nossos contactos com os estudantes...
O pagamento da Caução levanta igualmente problemas quanto à imputação da culpa/responsabilidade e de carácter processual. Na realidade, se a caução é apresentada pelos SASUC como uma medida que visa condicionar eventuais comportamentos lesivos do património das Residências, de que forma é feita a avaliação acerca da responsabilidade do estudante? É que é bom não olvidar que tendo como cenário espaços degradados, é muito difícil definir a barreira entre a culpa (dolo ou negligência) do estudante ou a mero dano resultante da degradação da Residência. Assim, se em resultado de uma brincadeira um estudante cair em cima da cama, já de si bastante débil, e ela se partir, de que forma avaliam os SASUC a culpa e a responsabilidade do estudante? Por outro lado, incidindo as suspeitas sobre um estudante, de que forma é garantido o contraditório? Que meios de prova são legítimos? Basta a mera queixa de um outro companheiro? Há um processo de definido para estes casos? Quais? É resultado da auscultação dos delegados das Residências?
Os argumentos atrás expostos contra o pagamento da caução, embora de grande importância prática, assumem um papel secundário. É que há um problema de princípio em relação ao pagamento da Caução. Se ela surge, como referem os SASUC, como a medida mais eficaz (carece de prova esta afirmação) para prevenir eventuais danos causados nas Residências, será a coacção financeira sobre estudantes carenciados a melhor resposta a dar a esta situação? A verdade é que os principais interessados na manutenção das Residências são os próprios estudantes, não obstante a existência de uma minoria que causa danos. Os estudantes são os principais interessados, mas não são os responsáveis por aquela manutenção. Se existem casos de estudantes que lesam o património dos SASUC e se recusam a pagar, não é esse um problema de fiscalização da responsabilidade dos próprios serviços? Será justo aplicar a todos os estudantes um regime que visa dar respostas aos problemas causados por uma minoria?
Numa declaração de V. Ex.ª ao Jornal Universitário A CABRA, comentando a nossa petição contra o pagamento da Caução, teve a oportunidade de dizer que o texto da nossa petição apresentava alguns pontos disparatados. Qual não é o nosso espanto, quando na declaração seguinte compara a caução dos SASUC à caução do Regime de Arrendamento Urbano. Permita-nos que lhe devolvamos a crítica. Mais do que ninguém, V. Ex.ª saberá que se tratam de situações totalmente diversas. A relação estabelecida entre os SASUC e os estudantes é claramente diferente da relação entre o inquilino e o arrendatário. Há um fundamento de solidariedade que marca o nosso vínculo com os SASUC. O fim primordial da relação não é o da satisfação nem do interesse do arrendatário, nem do inquilino. O fim almejado é um fim social, de interesse público. Acresce que a relação estabelecia entre os SASUC e os estudantes é perpassada por uma dependência dúplice (embora não seja recíproca): económica e jurídica.
Se mais argumentos não existissem, ressaltaria um de grande importância e gravidade, um problema jurídico: o requisito de pagamento da Caução de 50 euros como pressuposto de acesso/atribuição de Residência Universitária não costa do respectivo Regulamento. Sendo assim, poderão os SASUC continuar a exigir o seu pagamento? Poderão exigir o cumprimento dessa obrigação aos estudantes que ainda não a cumpriram?
Proposta de modelo alternativo
Esta iniciativa surgiu com o objectivo de contestar. Estivemos no terreno apenas a recolher assinaturas contra o pagamento da Caução. Todavia, o crescimento do nosso grupo de trabalho, o contacto, o diálogo frutífero com os restantes colegas das 13 Residências Universitárias dos SASUC, criaram condições, para que com esta carta, apresentássemos a V. Ex.ª um modelo alternativo.
Assim sendo, propomos o fim do pagamento da caução como requisito de acesso/atribuição de alojamento. Se o objectivo é o de prevenir eventuais danos causados e punir os já provocados, a melhor forma de prevenção é a punição dos infractores, no momento da infracção e na medida dos danos causados, seguindo um processo justo e regulamentado.
Neste sentido propomos que à semelhança do que sucede com o pagamento da renda mensal da Residência (isto é, os estudantes autorizam os SASUC a descontarem do valor da sua bolsa, o equivalente ao valor da renda no momento em que é paga a bolsa), que os Serviços sigam um modelo idêntico em sede de pagamento de danos causados nas Residências. Concretizando: o estudante assinaria um documento através do qual permitia aos SASUC, no caso de provocar algum dano no património dos SASUC e apenas na data da ocorrência do mesmo, a descontar da sua bolsa o valor equivalente àquele dano. Uma vez provocado o dano, seguir-se-ia uma fase de instrução, célere mas justa, onde fossem dadas todas as garantias às partes e que permitisse alcançar a verdade e, por consequência, ressarcir os SASUC. Uma vez que se tratam de estudantes carenciados, pode acontecer que os danos provocados pelo infractor sejam de tal maneira elevados que o pagamento imediato e total dos estragos dificulte desproporcionalmente a situação socioeconómica do colega que comete o delito. Por isso mesmo, propomos que neste tipo de casos seja concedida a possibilidade de se proceder a um pagamento faseado dos danos causados, para que a carência efectiva do colega infractor não o impeça de pagar os estragos provocados e, concomitantemente, lhe permita durante o tempo em que deve saldar a dívida viver sem grandes constrangimentos financeiros.
Assim se garantirá não só o saldar das dívidas bem como a justiça. Os danos seriam pagos, vendo os SASUC o seu interesse satisfeito, pelo estudante que os provocou, no momento em que o causou, e na medida do dano causado.
Ficam assim expostos os nossos argumentos e à consideração de V. Ex.ª o nosso modelo alternativo. Como atrás referimos, o nosso objectivo é através da cooperação e do diálogo, ajudar a resolver os problemas que assolam a realidade quotidiana dos estudantes das Residências Universitárias dos SASUC. Aceitamos o diálogo, mas, por força do que atrás dissemos, não podemos aceitar o modelo vigente. Assim ditam igualmente as cerca de 600 assinaturas que em anexo lhe enviamos. Trata-se de um “muro inultrapassável”!
Finalmente, vimos pedir a V. Ex.ª a marcação urgente de uma reunião com representantes desta Plataforma, para que o assunto volte a ser discutido, a nossa proposta alternativa seja mais desenvolvida e possamos, enfim, chegar ao consenso que estou certo, ambas as partes pretendem.
Pelas Residências Universitárias!
Pelos SASUC!
Cumprimentos fraternos,
Plataforma de Residências da UC